A partir do mês de agosto passei a assinar a coluna ARQUITETANDO da Revista Dhecore, a convite Editor e Diretor Geral da revista, Júnior Dornellas.
A revista é de qualidade ímpar, fazendo frente a grandes outras revistas do setor, com matérias diversas de personalidades do meio internacional, nacional e de várias cidades do interior de São Paulo.
Tem representações na Grande São Paulo, São José do Rio Preto, Presidente Prudente e Araçatuba. Informações e contatos pelo fone 18 3608 2767.
Segue artigo que saiu nesta edição:
Construção
Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com
Viver é estar
em constante construção.
Desde que
nascemos – e há quem diga, mesmo antes de a gente nascer – vivemos numa
constante construção. Construção de caráter que, segundo estudiosos do assunto,
acontece nos primeiros anos de vida e, a partir da qual, manteremos nossas
relações, nos posicionaremos diante do mundo, elegeremos o que é mais
importante ou não para nossa vida.
Também faz
parte dessa construção nosso mundo de sonhos: o de se casar e ter uma família
feliz, o de estudar e ser bem sucedido profissionalmente, o de viajar, conhecer
coisas novas, falar outras línguas, plantar árvores, escrever livros...
Como todo bom
arquiteto que se preze, as escolhas dos materiais, a análise do terreno, as condições
climáticas e financeiras, o perfil familiar, entre tantos outros condicionantes
determinarão o partido arquitetônico que terá cada um desses nossos sonhos.
(Você já prestou atenção na quantidade de pessoas que elege materiais de
péssima qualidade para construir seus sonhos e, ainda assim, quer obter um bom
resultado em sua obra?).
Fazer essa
analogia entre construção é a nossa própria vida não é exagero. A relação que o
homem mantém entre o ambiente natural e o ambiente construído atravessa milênios
em diferentes localidades do mundo, entre povos e culturas das mais diversas. A
nossa relação com o ambiente construído – casas, edifícios, praças, monumentos
etc. – transcende o mero utilitarismo é está intrinsecamente ligada aos nossos
hábitos sociais, ao nosso modo de se relacionar com nossos pares, à nossa
própria percepção de mundo. Já estamos tão ligados à construção, às cidades
feitas pelos homens que não conseguimos imaginar o mundo sem essas intervenções
humanas.
Você já deve
ter ouvido, por exemplo, a máxima popular de que “fulano que ser alguém, mas
não tem eira nem beira”. “Eira” e “beira” são elementos construtivos presentes
na arquitetura de casas coloniais, de meados dos séculos XVI e XVII, em casas
de ricos e que se distinguiam de casas mais simples, de pessoas pobres. Daí,
referir-se a alguém “sem eira nem beira” era o mesmo que dizer que tal pessoa
era chinfrim, um pobre coitado.
Outro dito
bastante conhecido é o “feito nas cochas”. Algo “feito nas cochas” é algo feito
de modo relaxado, displicente, de “qualquer jeito”. Quando da escravidão no
Brasil, as telhas do tipo “colonial” eram feitas por escravos. O barro quente
era colocado sobre as coxas deles e, como cada uma tinha formato e tamanho
diferentes, as telhas também saíam irregulares. Ao montarem os telhados,
dava-se a sensação de “mal feitos”, já que tinham esse aspecto desorganizado,
irregular.
E “telhado de
vidro”? Quem nunca ouviu a frase “quer ser santo, mas tem telhado de vidro”? Ou
seja, uma pessoa de discurso ou vida frágil, facilmente questionável e
contraditório.
Como vemos, a
presença da arquitetura em nossa vida é muito maior do que pensamos. Para além
de formas e cores bem ajambradas de uma bela casa ou edifício; muito mais que
ambientes bem iluminados e resolvidos funcionalmente; ultrapassando materiais,
técnicas e suportes construtivos, a arquitetura está para nossa vida cotidiana
como um bom livro, uma boa música, uma agradável peça teatral ou perfomance de um ballet. Ela, a arquitetura, apresenta-se para nós como algo simbólico,
imaterial e, por isso mesmo, permanece em nós mesmo quando não a habitamos,
mesmo quando não estamos protegidos por seus brises, clarabóias, pergolados.
Antonio Luceni é mestre em Letras, artista visual e estudante de
Arquitetura e Urbanismo.